Perigo da suposição da independência financeira 4


Esperar receber uma herança

Infelizmente crescemos mas ainda sofremos das mesmas fantasias de quando éramos crianças. Facilmente nos seduzimos por contos de fadas, Hollywood adora mostrar estórias de pessoas que recebem heranças inesperadas. 

Isso fica evidente como mostra a pesquisa da Natixis, mostrando que 70% dos millennials que responderam a pesquisa disseram que esperavam receber uma herança, sendo que apenas 40% de seus pais planejavam deixar uma. 

Uma pesquisa da Schwab identificou uma desconexão semelhante nas expectativas dos herdeiros em relação à realidade. O aumento da longevidade, combinado com as necessidades de cuidados de longo prazo e os custos crescentes desse tipo de serviço, significa que mesmo quando os pais pretendem que seus filhos herdem seu patrimônio, eles podem não conseguir.

Pela minha experiência no mercado de assessoria de investimentos e educação financeira, adultos que esperam uma herança que não se materializa, são muito inclinados a gastar demais e economizar menos durante seus anos de pico de renda. E quando seus pais falecerem e não lhes passarem suas fortunas — ou lhes deixarem muito menos do que esperavam — pode ser tarde demais para compensar esse tempo perdido.

Mentalidade correta: nunca dependa de uma herança! Assuma sempre a responsabilidade do seu futuro.

Se algum cliente estiver levando em consideração uma possível herança em seu plano de aposentadoria, é aconselhável começar a abordar esse assunto o mais rápido possível. Tema delicado que pode gerar bastante frustração e as pessoas tendem a ficar na defensiva. O alinhamento de expectativas é a melhor forma de cultivar um relacionamento de longo prazo com nossos clientes. Muitas vezes, conversas desagradáveis como essa são necessárias. Gosto muito da estratégia de criação de cenários e estudar os impactos práticos de cada um e como melhor nos posicionar.

Perigo da suposição da independência financeira 3

É fácil trabalhar depois dos 65 anos.

Talvez você nunca tenha parado para fazer a conta, mas você vai concordar comigo. Os benefícios financeiros de trabalhar por mais tempo são inquestionáveis. Certo? 

Contribuições mensais com consistência na conta de investimentos, postergar retiradas da carteira e quem sabe, ainda contar com um trocado do INSS para alguns, todos esses pontos podem aumentar bastante a perenidade de uma carteira de investimentos para a aposentadoria dos nossos clientes. 

Com isso em mente, somado o aumento da longevidade, a mudanças nas regras de pensão e o fato de que a incerteza financeira no país afetou os investimentos de muitos pré-aposentados, não é surpresa que muitos idosos estejam adiando seus planos de aposentadoria. Pelo menos aqueles que conseguem. 

Enquanto 53% dos indivíduos ouvidos na Pesquisa da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida – FENAPREVI disseram que gostariam de parar de trabalhar aos 60 anos de idade, apenas 28% disseram que acreditam que irão conseguir se aposentar nessa idade. E o mais importante, 17% não pretendem parar de trabalhar.

No entanto, parece haver uma desconexão entre os planos de quem ainda não chegou nessa fase e demonstram a vontade de adiar a aposentadoria com a realidade se eles realmente o fazem. Tanto no sentido de conseguir se manter empregado com idades mais avançadas quanto não ser afastado por motivos de saúde.

Mentalidade correta: esteja pronto para recorrer a outras medidas, como aumentar seu percentual de investimentos mensais.

Embora trabalhar por mais tempo possa trazer um benefício triplo para o plano de aposentadoria – dos nossos clientes, conforme falamos acima – é um grave erro supor que é fácil de fazê-lo. 

Se fizemos as contas e os números mostram que o cliente fica abaixo dos valores que busca, nós podemos ajudar a planejar alguns cenários como aumentar seus rendimentos, cortar custos e buscar outras medidas para aumentar seu percentual de investimentos (taxa de poupança) mensal. 

No último caso, damos uma emagrecida nas projeções de renda após os 65 anos, pois talvez o cliente não seja capaz – ou possa optar – de ganhar uma renda tão alta em seus últimos anos quanto era capaz em suas melhores fases.

Perigo da suposição da independência financeira 2

A inflação será leve.

Vemos atualmente no Brasil e no mundo uma inflação alta e – até o momento que escrevo esse artigo – descontrolada. Nos últimos 3 anos por aqui e na maior parte das últimas duas décadas no mundo, a inflação não foi um problema, com o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA no Brasil e CPI nos EUA) sob controle. 

Mesmo com o nosso histórico inflacionário, é comum ver os nossos clientes ignorando a inflação em suas projeções ou pelo menos minimizando ao prever os gastos com aposentadoria. Estamos acostumados a ouvir pessoas apenas se referindo as taxas nominais de seus investimentos e nunca falando em termos de juros real, aquele que fica no seu bolso após descontar o que foi queimado pela inflação.

Com o cenário atual, no entanto, nos deparamos com o perigo de supor que os preços ao consumidor permaneceriam estáveis, já que a leitura mais recente de inflação no Brasil e principalmente no mundo, mostrou um aumento de 8,5% no ano encerrado em julho de 2022 (EUA).

Por que isso é ruim? Pois se a inflação permanecer alta, os aposentados precisarão retirar mais dos seus investimentos do que esperavam, apenas para manter seus padrões de vida atuais.

Mentalidade correta: Adote números de inflação (projeções) de longo prazo mais pessimistas para planejar e considere usar hedges (proteções) de inflação em sua carteira de aposentadoria.

Em vez de assumir que a inflação permanecerá controlada e baixa nos anos que antecedem e durante a aposentadoria dos nossos clientes, os assessores de investimentos devem usar números de inflação mais pessimistas para ajudar a orientar suas decisões de planejamento.

Embora pareça ruim e irracional ser pessimista e supor que os números de inflação atualmente vistos persistirão para sempre, talvez se adotar entre 3% a 5% possa ser um ponto de partida razoável. 

O ideal seria personalizar as previsões de inflação com base nos hábitos de consumo reais de nossos clientes. Por exemplo, os custos com saúde geralmente representam uma fatia maior dos gastos de muitos aposentados do que para a população em geral, enquanto os gastos com moradia podem ser um item com menor peso no gasto total dos aposentados, especialmente se o perfil de clientes que cuida possuam casa própria.

A possibilidade de que a inflação possa subir mais durante sua aposentadoria do que entre 2000 e 2020 também defende a adoção de proteções (hedges) de inflação em sua carteira de investimentos focada na aposentadoria. Isso pode ajudar a preservar o poder de compra do seu cliente. 

Existem diversas estratégias para fazer esse tipo de alocação. Lembre-se que sempre depende do perfil do nosso cliente. Podemos adotar tanto estratégias usando investimentos em renda fixa quanto algumas opções em renda variável. Cuidado apenas em suas projeções e otimismo com o futuro ao manter muitos investimentos com taxa pré-fixada, cujo potencial de retorno pode ser negativo quando a inflação é descontada.

Perigo da suposição da independência financeira 1

Os retornos do mercado de ações e renda fixa serão expressivos.

A maioria dos planejadores financeiros, quando estão buscando planejar para aposentadoria, pedem que você estime o que seu portfólio trará de retorno durante a fase de acumulação. Na minha experiência, a maioria das pessoas tende a ser muito otimista e estimar retornos agressivos. Geralmente, isso é apenas uma forma de evitar escolhas difíceis, como retardar a aposentadoria ou pior, ter que gastar menos.

Um dos motivos de buscar abrir a cabeça dos meus clientes para o mercado internacional é que a bolsa americana é mais consistente. Por lá, os ganhos de longo prazo com ações tem sido bastante generosos e em dólar. O S&P 500 – um dos principais índices do mercado de ações mundial – gerou retornos anualizados de mais de 10% nos últimos 100 anos – de 1926 até o final de 2021.

Por aqui não temos uma bolsa tão longeva, mas se pegarmos os ganhos desde 1994 a partir do Plano Real, o IBOVESPA rendeu em média 13% ao ano. Muito bom! Porém, nesse mesmo período nossa moeda perdeu 81% do seu valor. Além de nossa inflação ter comido boa parte desse retorno com alta de quase 9% a.a., ou seja, um ganho real de aproximadamente 4% acima da inflação para arredondar.

Mas houve certos períodos nesses últimos 28 anos que os retornos foram muito menores do que isso. Uma pessoa tendo que parar de trabalhar e viver de suas economias teria sofrido dependendo do momento da necessidade de liquidar seus investimentos. Por outro lado, a renda fixa que sempre foi o porto seguro de todo brasileiro, já não é mais garantia de bons retornos no longo prazo. Hoje voltamos a viver taxas expressivas com CDI pagando 13,5% a.a. Mas não precisamos ir muito longe em nossas memórias para recordar que tivemos CDI em níveis de país desenvolvido apenas 2 anos atrás em ínfimos 2,77% no acumulado de 2020.

Mentalidade correta: Seja menos otimista nas suas projeções de retorno dos investimentos e considere ajustar para baixo seus gastos futuros.

Todos esses números mostrados servem de alerta para sermos mais prudentes e pensar em reduzir um pouco nossas projeções de retorno dos investimentos por conservadorismo. Principalmente se você tem por volta de 10 anos pela frente até sua aposentadoria. 

Em nossa experiência e pelo perfil de clientes que cuidamos, buscamos trabalhar com retorno médio anual entre 3% e 4% acima da inflação. Reforçando as premissas de controle de riscos, preservação da riqueza e mentalidade de seguir o planejamento de longo prazo.